Querida leitora, querido leitor,
Quem aqui escreve é uma colunista de primeira viagem. Para contar sobre sua primeira viagem ao noroeste dos Estados Unidos, como participante de primeira viagem do maior evento científico de gerontologia do mundo! Como eu fui parar lá te conto em breve. Antes, quero te dar boas-vindas e te convidar para se aventurar comigo nessa primeira viagem da nova fase da Ser Modular. Vamos?
Topei o desafio de contribuir para a Ser Modular, estreando-a como plataforma colaborativa, não apenas pela honra de poder “ostentar” esse título no currículo e nas redes sociais, mas porque sua idealizadora, Profa. Dra. Maria Luisa Trindade Bestetti, é uma das grandes responsáveis por me “embarcar” no universo da gerontologia. Desde 2014 ela me incentiva a voar tão alto que acabei parando longe, bem longe… lá em Seattle.
Portanto, não tinha como recusar um convite para contar sobre essa viagem aqui, né?
Próxima parada: o grande GSA
Depois de quase 30 horas de viagem saindo de São Paulo, desembarquei na úmida e nublada Seattle, cidade bem ao norte dos Estados Unidos, quase na fronteira com o Canadá. Fui para lá a convite do Prof. Frank Oswald, um dos grandes nomes da gerontologia ambiental atualmente – área dentro da gerontologia que se dedica a compreender a relação entre pessoa idosa e seu ambiente – que propôs um simpósio para apresentar ao Norte Global algumas pesquisas que nós, brasileiros, temos feito sobre envelhecer em casa e em comunidade (em inglês, age in place).
Participar do Annual Scientific Meeting da Gerontological Society of America (Sociedade Americana de Gerontologia – GSA), ou “o GSA”, era um sonho antigo.
A GSA é a maior e mais antiga organização interdisciplinar voltada para a pesquisa, educação e prática no campo do envelhecimento. Fundada em 1945, sua missão é promover o estudo do envelhecimento e disseminar informação para cientistas, tomadores de decisão e o público geral (GSA, 2024).
Anualmente em novembro, grandes nomes de todas as áreas relacionadas ao estudo do envelhecimento se reúnem nesse mega evento de números impressionantes. Em 2024 foram quase 4000 participantes, 1200 simpósios, 700 trabalhos acadêmicos e mais de 1400 posteres.
É uma das organizações mais influentes nos Estados Unidos quando o assunto é envelhecimento, e tem impacto internacional também. É inegável que a GSA cumpre sua missão com maestria. A palavra que mais ouvi para descrever este evento corrobora isso: arrebatador (como muitos falavam nas rodas em inglês, overwhelming).
Dentre tantas atividades concomitantes nos 4 dias de sua duração, destaco alguns dos temas que mais me chamaram atenção. Sinta-se sentando na janela com vista privilegiada para o que está sendo debatido globalmente com relação aos ambientes construídos e o envelhecimento.
Escala principal: o bairro
Apesar dos temas variados relacionados ao ambiente de pessoas idosas, a importância dada para escala do bairro se destacou. Várias apresentações trouxeram isso já em seus títulos. O ambiente do bairro foi associado a impactos na saúde cognitiva, física e demências, bem-estar, dinâmicas sociais e familiares, engajamento social, e solidão.
Ficou clara a relevância que o contexto físico e social da vizinhança tem, afinal, são nas áreas próximas da residência onde a maioria das pessoas idosas irá passar boa parte de seu tempo e desempenhar suas atividades cotidianas. Para além das moradias familiares, coletivas ou institucionais, pesquisadores mundo afora estão se aprofundando nas conexões sociais e nos espaços que fortalecem a vida comunitária.
Breve conexão: moradias temporárias
Entre os simpósios relacionados a habitação, a discussão sobre moradias temporárias e permanentes para apoiar pessoas maduras vivendo em situação de rua no Canadá trouxe reflexões importantes sobre senso de pertencimento e integração social.
Os estudos fazem parte de um projeto de pesquisa conjunto entre diferentes universidades em Calgary, Montreal e Vancouver, algumas das principais cidades canadenses, para investigar práticas que apoiem pessoas idosas vivendo em situação de rua visando construir e capacitar novos abrigos, iniciativas e opções de moradia por todo o país (conheça o Aging in The Right Place Partnership – em inglês).
Pesquisadoras deste projeto apresentaram diferentes casos: perspectivas de trabalhadores de abrigos/moradias temporárias sobre eligibilidade, acesso aos serviços e ações para apoiar residentes; relações de cuidado em um abrigo para pessoas idosas fugindo de situações abusivas; e um programa de moradia temporária para veteranos das forças armadas.
O ponto em comum de todas as apresentações foi a relevância do acesso a uma rede de suporte qualificada e cuidadosa que apoiassem a (re)integração social de pessoas vivendo em situação de rua em suas comunidades.
As moradias, ainda que temporárias, funcionam como espaços para reconstruir a dignidade, o senso de pertencimento e a autonomia destas pessoas. Elas também garantem um abrigo adequado e protegido do severo clima canadense, e até mesmo acesso a infraestruturas dadas como básicas pela população que não experiência a vida na rua, como acesso a um computador e internet para comunicar-se com família e amigos.
O destino de todos: eventos climáticos extremos
Por fim, um último tópico que merece destaque são os eventos climáticos extremos e seus efeitos sobre a saúde e a vida de pessoas idosas. Infelizmente, tais eventos serão cada vez mais comuns e frequentes em escala global. Variam em sua natureza – de incêndios florestais e urbanos nos EUA a enchentes devastadoras no Brasil ou Espanha, intensidade e potencial destrutivo, mas certamente trazem impactos negativos e prolongados para a vida de quem envelhece nas áreas afetadas.
Destaco a última apresentação que vi no GSA sobre incêndios na interface urbano-selvagem em cidades do Colorado, EUA e seus possíveis impactos de longo prazo e potenciais riscos ao longo do curso de vida, incluindo o desenvolvimento da doença de Alzheimer e demências relacionadas.
Interrupções na educação no início da vida (por exemplo, deslocamento e estresse/ansiedade), aumento do risco de hipertensão, obesidade e consumo de álcool na meia-idade devido ao aumento do estresse, falta de tempo e motivação para dieta e exercícios, mecanismos de enfrentamento mal adaptativos, má qualidade do sono e acesso reduzido a serviços de saúde são alguns dos fatores elencados pelos pesquisadores como consequências dos incêndios que podem elevar o risco de depressão, isolamento social, inatividade física, diabetes, e demências na velhice.
Além dos riscos para a saúde física e mental das pessoas, estes eventos climáticos também afetam as comunidades economicamente, socialmente, emocionalmente e ambientalmente. Por isso, investigar e aprender com estas tragédias é necessário para que todos nós estejamos preparados para lidar com suas ocorrências e consequências.
E após a última sessão, nossa primeira viagem chega ao fim! Participar de um evento desta dimensão realmente foi uma experiência única, e poder dividir um pouco disso com você na plataforma Ser Modular a torna ainda mais especial.
Qual parte dessa viagem você mais gostou? Me conta nos comentários, vou adorar saber.
Obrigada por embarcar nesta jornada comigo e até nossa próxima aventura!




Excelente, Mariana, um relato rico e empolgante que revela a importância de participar de eventos dessa natureza por pesquisadores atilados como você! Trouxe dados interessantes e atualizados sobre a moradia na velhice, em diversos aspectos… valeu!
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