Pessoas com deficiência intelectual (PcDI) têm conquistado maior visibilidade na sociedade, a partir do reconhecimento dos seus direitos e da possibilidade de serem efetivamente incluídas quando são oferecidos serviços para suporte das suas necessidades. Diversas organizações que atendem esse público no Brasil são desafiadas a buscar alternativas de moradia para atender demandas de pessoas com deficiência intelectual e seus familiares.
A deficiência intelectual acontece em função de diversos fatores, condição que pode advir de causas genéticas, ambientais, congênitas ou adquiridas (Alves & Laros, 2017). Embora não haja um número exato de pessoas já idosas com deficiência intelectual no Brasil, a perda de autonomia e independência inerente ao envelhecimento, que resulta na necessidade de assistência nas atividades cotidianas, torna-se ainda mais crítica para pessoas com deficiência intelectual – PcDI (Castro, 2022; Girondi et al., 2018).
Dificuldades a serem superadas
Os familiares deveriam ser os propulsores da independência, tal como é com crianças típicas. A mudança no ritmo do desenvolvimento pessoal impacta nessa decisão e culmina em sistemas de proteção que demonstram o medo de permitir que pessoas com deficiência enfrentem dificuldades. Pais que possibilitam interações construtivas e ampliam as vivências em diferentes contextos, permitindo que enfrentem desafios e exponham seus limites a fim de desenvolver resiliência aos perigos na convivência em sociedade, aprendem a confiar na autonomia que levará à independência dos seus filhos, mesmo que seja supervisionada.
Segundo Cruz, Mori e Hespanhol (2021), a construção da autonomia e da independência desses indivíduos é prejudicada pela descrença na capacidade dos filhos em realizar atividades sem ajuda, considerando os cuidados com a segurança. Em especial com esse foco, a limitação imposta para ações corriqueiras acarreta uma perda da racionalidade, incapacitando para o desenvolvimento da autonomia (Canto, 2018). Em consequência, a não permissão de determinadas iniciativas culmina em acomodação, criando a chamada dependência aprendida.
Instituições sociais que oferecem oportunidades enriquecedoras a pessoas com deficiência intelectual e às suas famílias, muito além de criar oportunidades de evolução no aprendizado e de formação profissional, são fundamentais para a desconstrução de visões discriminatórias (Falcão et al., 2021). Pesquisas que busquem soluções de moradia digna para pessoas com deficiência intelectual são raras no Brasil e somente algumas iniciativas pontuais apresentam resultados preliminares para grupos restritos.
Superproteção e preconceito
É frequente a crença de que as pessoas com DI têm dificuldade em expressar emoções e que isso significa não ter angústias. Esse preconceito pode existir até na família e entre profissionais que os atendem (Garcia & Pereira, 2021). Essa situação culmina em infantilização, quando muitos PcDI assistem somente desenhos animados por escolha dos cuidadores, que consideram outros programas, que poderiam ampliar a capacidade crítica e o interesse em outros temas, passíveis de comprometer a inocência desses indivíduos (Recacha & Cafranga, 2011). Na pesquisa de Pernia e Salmón (2017), muitos participantes manifestaram o desejo de trabalhar, formar uma família e sair da casa dos pais, o que não é aceito pela família por não acreditarem que sejam desejos viáveis.
A família é o agente mais importante no processo de inclusão social, visto que a criança não deve ser vista somente pela sua capacidade limitada pela deficiência. Ao tornar-se um sujeito ativo e estimulado para o autoconhecimento, uma pessoa com deficiência intelectual é conduzida a oportunidades de tomada de decisão a partir do exercício de habilidades (Cruz, Mori e Hespanhol, 2021).
Conforme Góes (2006, apud Cardozo & Soares, 2011), a chegada de filhos com deficiência intelectual determina a assunção de um compromisso mais complexo do que seria o esperado com crianças regulares, significando “a perda do filho idealizado“. Nesse caso, a preocupação com a situação diferente provoca medo neste processo, o que ainda aumenta à medida que a idade avança e há o risco da ausência, com o temor de não saber com quem deixar. Além disso, a dinâmica de vida dessa família muda a partir dos “estigmas comunitários” causados pelo preconceito e pela falta de políticas públicas satisfatórias (Falcão et al., 2021). São as barreiras sociais as maiores responsáveis pela marginalização, mesmo considerando a importância das limitações pessoais (Pernia & Salmón, 2017).
Fica evidente que as interações sociais trarão maior possibilidade de desenvolvimento adequado de acordo com a preparação que recebem para enfrentar os desafios fora do círculo familiar (Alves & Silva, 2020). A estigmatização pode criar a autoimagem a partir do outro, o que impede a determinação da individualidade e a dificuldade em viver coletivamente. Se a pessoa se considerar inferior, maior o desafio para quebrar paradigmas (Garcia & Pereira, 2021).
Perspectiva futura
Deve-se preservar os vínculos previamente construídos e possibilitar a criação de novos, tornando possível aos candidatos a estas vagas de moradia independente viverem com autonomia e atendendo seus desejos de privacidade, apesar da sua condição como pessoa com deficiência intelectual.
É evidente a dedicação dos familiares aos seus filhos, netos, sobrinhos ou irmãos, o que determina sacrifícios em um universo ainda com pouco apoio por parte de instituições, mas extremamente carente de políticas públicas que aliviem a angústia dessas famílias. Um programa que dedicasse esforços para preparar as pessoas com deficiência intelectual para a vida independente desde a adolescência, mas principalmente, que preparasse os familiares para permitirem a evolução individual, ao desenvolver confiança no potencial deles, poderia modificar a realidade atual. Experiências dessa natureza têm grande potencial para tornarem-se políticas públicas, em prol de uma sociedade diversa, inclusiva e digna.
Estabelecer parâmetros que possam atender a expectativa dessas pessoas, cada vez mais longevas e em diferentes contextos socioeconômicos, será importante para as decisões de empresas públicas e privadas no apoio a esses cidadãos e seus familiares.
Referências:
Alves, T.A.; Laros, J.A. Propriedades psicométricas do SON-R 6-40 em pessoas com deficiência intelectual. Psicol. Teor. Prat. 2017:19(2):151-163.
Alves, A.P.R.; Silva, N.R. What the People with Intellectual Disability think About their Participation in the work from two case studies. Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru, v.26, n.1, p.89-102, jan/mar, 2020
Canto, Y.E. Disability: a heuristic for the human condition. Rev. Bioét. (Impr.). 2018; 26 (2): 207-16
Cardozo, A.; Soares, A.B. Habilidades Sociais e o Envolvimento entre Pais e Filhos com Deficiência Intelectual. Psicologia: Ciência e Profissão, 2011, 31 (1), 110 -119
Castro, L.R. Avaliação dos aspectos biopsicossociais aplicada à pessoa com deficiência intelectual e à sua rede de suporte familiar no processo do envelhecer. [Dissertação de mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Envelhecimento, Universidade São Judas Tadeu. São Paulo, 2022.
Cruz, E.J.S.; Mori, V.D.; Hespanhol, C.R.C. O Papel da Família na Construção da Autonomia da Pessoa com Deficiência Intelectual. Revista Apae Ciência, v. 15 n°. 1 – jan/jun – 2021
Falcão, D.V.S.; Britto, V.G.; Dias, C.M.S.B. Filha Idosa com Deficiência Intelectual e Cuidados Paternos. Revista Apae Ciência, v. 15 n°. 1 – jan/jun – 2021
Garcia, W.P.; Pereira, A.P.A. A Pessoa com Deficiência Intelectual e a Compreensão da sua Existência. Phenomenological Studies – Revista da Abordagem Gestáltica. Vol. XXVII-02 (2021), 179-187
Girondi, J.B.R.; Felizola, F.; Schier, J.; Hammerschimdt, K.S.A.; Sebold, L.F.; Santos, J.L.G. Idosos com deficiência intelectual: características sociodemográficas, condições clínicas e dependência funcional. Rev. enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2018; 26:e22781.
Pernia, S.R.; Salmón, I.H. “Nos Gustaría que nos Acompañasen ver Nuestras Decisiones”. Algunas cuestiones que preocupan a personas adultas com discapacidad intelectual. Ediciones Universidad de Salamanca / CC BY-NC-ND Siglo Cero, vol. 48 (3), n.o 263, 2017, julio-septiembre, pp. 55-72
Recacha, P.G.; Cafranga, A.M. Las personas ver discapacidad intelectual ante las TIC. Comunicar, nº 36, v. XVIII, 2011, p. 173-180


