A relação entre ambiente, saúde e envelhecimento tem despertado crescente interesse científico, sobretudo diante da expansão urbana e do acelerado aumento da população idosa em escala global. Atualmente, 55% da população mundial vive em áreas urbanas, proporção que deve alcançar 68% até 2050. No Brasil, em 2022, a população total era de 203,1 milhões de habitantes, dos quais 177,5 milhões (87,4%) residiam em cidades.
Nesse cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), ao instituírem a Década do Envelhecimento Saudável (2021–2030), ressaltam a necessidade de promover condições sociais e espaciais que assegurem longevidade com qualidade de vida, participação ativa e bem-estar integral.
As projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Divisão de População da ONU — em inglês, World Population Prospects 2024 — evidenciam uma transformação demográfica profunda, caracterizada como a era do predomínio dos avós sobre os netos. Em 1950, o país contava com 22,7 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, frente a 2,1 milhões de pessoas idosas com 60 anos ou mais. Já em 2000, esses números atingiram, respectivamente, 52 milhões e 13,5 milhões.
A partir de 2029, pela primeira vez, o número de idosos superará o de jovens, configurando uma inflexão inédita na pirâmide etária brasileira. Enquanto em 1950 havia mais de dez jovens para cada idoso, no final do século XXI a relação será inversa, com mais de três idosos para cada jovem.

Pessoas com diferentes faixas etárias caminhando pelo Parque Trianon, localizado na cidade de São Paulo, SP, Brasil. Fonte: viajantesemfim.com.br (2024)
Diante desse quadro, o diálogo entre urbanismo, neurociência e gerontologia mostra-se fundamental para compreender como o desenho urbano e as condições ambientais influenciam a plasticidade cerebral, impactando diretamente a saúde cognitiva e funcional ao longo do envelhecimento.
Plasticidade cerebral e a influência do ambiente
A neurociência tem demonstrado, nas últimas décadas, que o cérebro humano mantém significativa capacidade de reorganização estrutural e funcional ao longo da vida, fenômeno conhecido como plasticidade cerebral. Essa plasticidade é sensível às experiências ambientais, ao engajamento social, à estimulação cognitiva e às oportunidades de aprendizagem.
Ambientes enriquecidos, caracterizados por diversidade de estímulos sensoriais, oportunidades de exploração e interação, têm sido associados a maior conectividade entre neurônios, maior densidade sináptica e maior reserva cognitiva, elementos essenciais para retardar processos de declínio associados à idade e a patologias neurodegenerativas.
Dois estudos clássicos ilustram esse fenômeno. O primeiro, conduzido por Eleanor Maguire e colaboradores no final da década de 1990, analisou cérebros de taxistas de Londres, cidade conhecida por sua complexidade urbana. Utilizando técnicas de neuroimagem, a pesquisa revelou que os motoristas de táxi dos veículos “london black cab”, que memorizavam a intrincada rede de ruas da capital britânica, apresentavam aumento de volume no hipocampo posterior, região diretamente relacionada à memória espacial e à navegação.

Os táxis da cidade de Londres são conhecidos como “london black cab”. Os motoristas que dirigem esses veículos necessitam realizar uma prova bastante difícil que envolve memorizar toda a malha viária londrina, sem o uso de GPS. Fonte: autocar.co.uk (2024).
Esse achado demonstrou que o ambiente urbano, ao demandar constante orientação e flexibilidade cognitiva, pode remodelar a estrutura cerebral. Além disso, a constatação de que motoristas de ônibus, cujas rotas são fixas, não apresentavam o mesmo crescimento no hipocampo que os taxistas, evidencia a importância da variação ambiental e da necessidade de desafios cognitivos cotidianos.
O segundo exemplo refere-se ao célebre “Estudo das Freiras”, iniciado pelo epidemiologista David Snowdon na década de 1980. Snowdon acompanhou, ao longo de vários anos, um grupo religioso formado por 678 freiras católicas da congregação Irmãs Escolares de Notre Dame, todas com mais de 75 anos de idade. As participantes disponibilizaram seus prontuários médicos e consentiram em doar seus cérebros após a morte para fins de pesquisa científica.

Os hábitos de vida saudáveis das freiras do estudo de Snowdon forneceu evidências científicas importantes para a teoria da reserva cognitiva. Fonte: g1.globo.com (2024).
Os resultados evidenciaram que altos níveis de engajamento intelectual, social e espiritual estavam associados a maior reserva cognitiva e menor manifestação clínica de demência, mesmo na presença de alterações neuropatológicas. Esse estudo consolidou a ideia de que ambientes de vida ricos em estímulos simbólicos, comunitários e relacionais podem proteger contra o declínio cognitivo.
Ambientes urbanos como promotores de reserva cognitiva
As evidências da neurociência convergem com as contribuições da gerontologia ao demonstrar que o envelhecimento saudável depende não apenas de fatores biológicos, mas também de condições ambientais que favoreçam a autonomia, a participação social e o bem-estar emocional. Cidades são, portanto, arenas centrais de promoção da saúde cognitiva.
O urbanismo, quando orientado por princípios inclusivos, pode produzir ambientes enriquecidos que expandem oportunidades de interação, mobilidade e engajamento ativo da população idosa.
A presença de espaços públicos seguros e acessíveis, a diversidade de equipamentos culturais, a oferta de transportes coletivos eficientes e a integração de áreas verdes urbanas constituem fatores que, em conjunto, estimulam a exploração espacial, a atividade física e a sociabilidade.
Esses elementos atuam como moduladores de plasticidade cerebral, alinhando-se aos achados de Maguire e do Estudo das Freiras ao demonstrar que a vida em contextos estimulantes pode fortalecer a reserva cognitiva.
Além disso, políticas urbanas que incentivam a diversidade geracional e cultural contribuem para interações sociais significativas, fator reconhecido pela gerontologia como central para a manutenção da saúde mental e da vitalidade no envelhecimento. Ambientes urbanos homogêneos, monótonos e segregados, ao contrário, tendem a reduzir o estímulo cognitivo, aumentar o isolamento social e acelerar processos de declínio funcional.

Espaços restaurativos, compostos por estímulos sensoriais adequados, são imprescindíveis para um estilo de vida conectado à natureza e afastado do estresse crônico promovido, muitas vezes, pelo ambiente das grandes cidades.
Foto: flickr.com (2011).
Ambientes enriquecidos e a Década do Envelhecimento Saudável
A Década do Envelhecimento Saudável da ONU estabelece quatro áreas de ação prioritárias: (1) mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos em relação à idade e ao envelhecimento; (2) desenvolver comunidades que promovam capacidades das pessoas idosas; (3) oferecer cuidados integrados e serviços de saúde primária centrados no idoso; e (4) garantir acesso a cuidados de longo prazo quando necessários.
Sob essa perspectiva, a promoção de ambientes urbanos enriquecidos constitui estratégia transversal para alcançar esses objetivos. No eixo do combate ao idadismo, espaços que favoreçam a convivência intergeracional contribuem para transformar percepções sociais sobre o envelhecimento. No eixo das comunidades amigáveis, a incorporação de princípios de desenho urbano responsivo ao envelhecimento possibilita criar bairros acessíveis, inclusivos e estimulantes.
No campo da saúde, a neurociência demonstra que ambientes urbanos desafiadores, quando adequadamente planejados, funcionam como verdadeiras “academias cognitivas”, estimulando funções como memória, atenção, raciocínio espacial e tomada de decisão.
Assim, integrar parques, circuitos de caminhada, redes de transporte intuitivas e sistemas de orientação urbana contribui para preservar e ampliar capacidades cognitivas. Já na área do cuidado, a proximidade entre equipamentos de saúde, serviços comunitários e espaços de convivência fortalece redes de apoio e reduz o risco de isolamento.
Estratégias de aplicação prática
Para traduzir essas evidências em políticas públicas urbanas alinhadas à Década do Envelhecimento Saudável, algumas estratégias podem ser destacadas:
- Planejamento urbano baseado em neurociência – Incorporar princípios derivados de estudos sobre plasticidade cerebral, reconhecendo que o ambiente físico pode atuar como modulador da saúde cognitiva. Isso implica promover diversidade espacial, estimular a mobilidade ativa e desenhar cidades que incentivem a exploração segura.
- Criação de redes de espaços enriquecidos – Garantir que bairros contem com praças, bibliotecas, centros comunitários e equipamentos culturais interligados, favorecendo tanto a estimulação cognitiva quanto a coesão social.
- Mobilidade urbana como exercício cognitivo – Desenvolver sistemas de transporte e sinalização que exijam, de forma equilibrada, orientação espacial e tomada de decisão, inspirando-se nos achados de Maguire sobre taxistas de Londres. Ao mesmo tempo, esses sistemas devem ser acessíveis a pessoas com declínio funcional leve, assegurando inclusão.
- Fortalecimento da vida comunitária – Estimular iniciativas de convivência, voluntariado e aprendizagem ao longo da vida, replicando os efeitos observados no Estudo das Freiras, onde a participação contínua em atividades intelectuais e sociais demonstrou impacto protetivo.
- Integração entre gerações – Criar ambientes intergeracionais em habitações, escolas e espaços públicos, assegurando que o idoso participe ativamente da vida urbana, mantendo-se engajado em redes relacionais diversas.

Urbanismo tático, cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. Fonte: urban95.org.br (2022).
Considerações finais
A convergência entre urbanismo, neurociência e gerontologia oferece uma base científica sólida para compreender como o ambiente urbano pode influenciar a plasticidade cerebral e, por consequência, a trajetória do envelhecimento.
Os estudos de Maguire sobre os taxistas de Londres e o Estudo das Freiras demonstram que tanto a complexidade espacial quanto o engajamento comunitário funcionam como catalisadores da reserva cognitiva, reforçando a relevância de ambientes enriquecidos.
Diante da Década do Envelhecimento Saudável, essas evidências sustentam a necessidade de um planejamento urbano orientado pela ciência, capaz de criar cidades que não apenas acomodem a longevidade, mas que a promovam de forma ativa e sustentável.
Ao reconhecer a influência do ambiente na plasticidade cerebral, abre-se caminho para transformar os espaços urbanos em aliados fundamentais da saúde pública, ampliando oportunidades para que indivíduos envelheçam com dignidade, autonomia e participação plena na vida social.
Referências bibliográficas
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