Querida leitora, querido leitor,
É com alegria que volto a te encontrar aqui, na Ser Modular. Da última vez,
fizemos uma longa viagem até Seattle para conhecer mais sobre o GSA 2024 –
pode refrescar a lembrança clicando aqui. Desta vez, te convido para uma caminhada
mais breve, pois quero te contar sobre as cidades de 15 minutos. Talvez você
já tenha ouvido falar delas, talvez seja a primeira vez. De todo modo, vamos
refletir sobre o que isso significa, como funciona na prática e, principalmente, o
que essa ideia pode representar para quem envelhece em contextos urbanos
— especialmente aqui no Brasil.
O que são cidades de 15 minutos?
O conceito de cidade de 15 minutos ficou conhecido graças ao urbanista
colombiano-francês Carlos Moreno, professor da Universidade de Sorbonne
em Paris, que desde 2016 vem defendendo uma ideia simples e poderosa:
reorganizar o espaço urbano para que todos os serviços essenciais — saúde,
educação, lazer, comércio, transporte, cultura — estejam acessíveis a uma
distância de até 15 minutos a pé ou de bicicleta.

Moreno desenvolveu esta ideia a partir da COP21 (2015), onde foi assinado o
Acordo de Paris como resposta às mudanças climáticas, que incluía um apelo
pela redução das emissões de carbono a nível global. No entanto, enquanto as
propostas nascidas na COP voltavam-se para a mobilidade limpa, isto é,
redução do uso de veículos com combustíveis fósseis, Moreno propôs um outro
caminho: reduzir os deslocamentos.

Para isso, o urbanista propôs um modelo que se baseia na proximidade entre a
moradia e as funções essenciais – viver, trabalhar, comprar, cuidar, educar,
exercitar, divertir-se, que devem ser acessíveis em um raio de deslocamento de
15 minutos a pé ou de bicicleta.
Ao lado, Moreno em Paris. (Foto: Mathie Delmestre)
Essa proposta parte de quatro pilares fundamentais:
– Proximidade, que reduz a dependência do carro e coloca a vida
cotidiana ao alcance dos pés;
– Diversidade de usos, combinando moradia, trabalho, lazer e serviços
em um mesmo bairro;
– Mobilidade ativa e acessível, com calçadas seguras, ciclovias,
transporte público de qualidade;
– Sustentabilidade, ampliando áreas verdes e diminuindo a poluição.
Várias cidades ao redor do mundo vêm experimentando esse modelo. Paris
talvez seja o exemplo mais famoso. A prefeita Anne Hidalgo adotou a proposta
de Moreno como a base de seu governo, reeleito em 2020.
Desde então, a capital francesa vem passando por uma grande transformação.
Apesar das críticas, já é possível ver resultados: queda no uso do carro,
revitalização de bairros, fortalecimento da economia local e maior satisfação
dos parisienses. Até a praça em frente à Prefeitura de Paris se tornou uma
floresta urbana recém-inaugurada com 2500m².
Para Moreno, trata-se de uma revolução urbana, capaz de tornar as cidades
mais sustentáveis, inclusivas e felizes. Mas, quando olhamos para a realidade
brasileira, é inevitável questionar: será que isso funcionaria aqui? Como aplicar
esse conceito em um país de tamanhos continentais, desigualdades profundas
e sistemas urbanos muitas vezes precários? E como considerar as pessoas
idosas, que já representam mais de 15% da população brasileira?
O bairro como palco da velhice
Para quem envelhece, o bairro se torna o principal cenário da vida. Estudos
em gerontologia ambiental mostram que, à medida que a idade avança, as
pessoas tendem a restringir seus deslocamentos, passando mais tempo dentro
de casa e em locais próximos a moradia. A vizinhança, portanto, e a qualidade
do espaço físico e social que a compõe tem impacto direto na saúde física,
mental e social das pessoas idosas.
Um bairro acessível e caminhável, com calçadas bem cuidadas, iluminação
adequada e comércio próximo, pode favorecer encontros e interações
espontâneas, como a Profa. Maria Luisa tanto reforça aqui na Ser Modular. Os
pilares da cidade de 15 minutos também favorecem o que chamamos de aging
in place, ou envelhecer em comunidade, oportunizando a quem envelhece
permanecer em sua casa e vizinhança pelo maior tempo possível tendo suas
necessidades atendidas e limitações respeitadas. Estes fatores são
importantes para preservar a autonomia, independência e a agência na velhice.
Por outro lado, ruas esburacadas, falta de transporte público confiável e de
serviços nas proximidades, ou ausência de áreas verdes reduzem a autonomia
e aumentam o risco de isolamento. Além disso, estudos já demonstraram que
as condições do território onde se vive pode ter um impacto significativo na
saúde e na expectativa de vida dos moradores.
No Brasil, sabemos que muitas cidades não foram planejadas para acolher a
diversidade etária. Rampas inexistentes, falta de bancos para descanso,
travessias perigosas e longas distâncias até serviços básicos são obstáculos
que atingem a todos, mas pesam ainda mais para quem tem qualquer tipo delimitação ou declínio. É aqui que a ideia da cidade de 15 minutos se conecta ao
envelhecimento: um espaço urbano amigável às pessoas idosas é, ao
mesmo tempo, uma cidade boa para todas as idades.
Viver bem em 15 minutos
Se pensarmos na perspectiva do envelhecimento digno e ativo, que pressupõe
a garantia e acesso a direitos fundamentais e oportunidades para a
participação social, aprendizagem ao longo da vida, segurança e manutenção
da saúde, a cidade de 15 minutos pode contribuir e muito para isso.

Ter padarias, mercados, farmácias e unidades de saúde próximos significa que
uma pessoa idosa não precisa depender de carro, transporte público deficiente
ou familiares para resolver tarefas simples, preservando sua autonomia e
independência no cotidiano.
Já a oferta de praças e parques, centros comunitários, bibliotecas e até
comércios como cafés no bairro funcionam como pontos de encontro que
favorecem a convivência, ajudam a reduzir a solidão e a prevenir o isolamento
social, um dos maiores desafios da velhice contemporânea.
Ainda, caminhar diariamente, ainda que por curtas distâncias, é uma forma de
praticar uma atividade física constante, e que pode ter impacto para a saúde
física e mental, mobilidade e equilíbrio das pessoas idosas. Além disso, a ideia
de 15 minutos não está necessariamente atrelada a uma distância em metros,
quilômetros ou quarteirões – ou seja, respeita as capacidades de cada
indivíduo e suas condições de locomoção.
Em situações de emergência ou necessidade recorrente de acompanhamento
médico, a proximidade faz diferença. Unidades básicas de saúde, farmácias e
centros de apoio social precisam estar a poucos minutos de casa – e neste
ponto, o Brasil se destaca no cenário mundial graças a capilaridade do SUS,
que ainda é o principal responsável pelo atendimento de saúde das pessoas
idosas.
O retrato brasileiro
Quando falamos de cidades de 15 minutos no Brasil, não podemos ignorar as
profundas desigualdades urbanas. Em grandes metrópoles, a distância entre
centro e periferia ainda define oportunidades: enquanto alguns bairros
concentram serviços, transporte e infraestrutura de qualidade, outros convivem
com carências históricas. Por outro lado, as cidades menores e as zonas rurais
têm dificuldade em transpor as grandes distâncias, o isolamento e a falta de
recursos para atender a população.
Ainda assim, acredito que cidades de pequeno e médio porte tem vocação para
adotar os princípios da cidade de 15 minutos, desde que haja vontade política e forte mobilização popular, com a atuação fundamental de grupos de pessoas
idosas e seus representantes, como Conselhos municipais e estaduais.
Programas de requalificação de praças, criação de ciclovias e ampliação de
unidades de saúde em bairros periféricos já vêm sendo implementados em
cidades como Fortaleza, Recife e Porto Alegre. Embora não usem
explicitamente o termo “cidade de 15 minutos”, essas iniciativas caminham na
mesma direção.
Mas é claro que, como tudo, há pontos de atenção com relação a este
conceito. Primeiramente, podemos mencionar a desigualdade social que pode
ser acentuada sem políticas públicas inclusivas. O risco é que apenas bairros
centrais ou de maior poder aquisitivo tenham infraestrutura de 15 minutos,
enquanto a periferia permanece carente. Por outro lado, melhorias urbanas
podem elevar o custo de vida em determinadas áreas, expulsando justamente
aqueles que mais precisam de infraestrutura próxima, causando o que
chamamos de gentrificação.
Outro ponto importante é a acessibilidade universal: rampas, sinalização
sonora, pisos táteis e bancos de descanso ainda são escassos em grande
parte do território, mas a simples instalação destes equipamentos não garante
o acesso e o uso dos espaços públicos por pessoas de qualquer idade ou
capacidade. É preciso lembrar que acessibilidade vai bem além do prevê as
normas.
Por fim, não basta ter equipamentos perto de casa; é necessário que o
caminho até eles seja seguro, com iluminação adequada e presença
comunitária. A segurança é um fator crucial para a ocupação da cidade em
qualquer horário.
Se quisermos que o conceito de cidade de 15 minutos faça sentido para o
envelhecimento no Brasil, precisamos pensar em estratégias integradas com
políticas públicas intersetoriais, participação social das pessoas idosas na
formulação de projetos urbanos, investimento em bairros periféricos e apoio
a iniciativas comunitárias que já existem como hortas urbanas, centros
culturais de bairro e associações de moradores que fortalecem o senso de
pertencimento e de vizinhança.
Pensar cidades de 15 minutos não é apenas discutir mobilidade urbana ou
planejamento técnico. É falar de dignidade, autonomia e qualidade de vida para
todas as gerações. Para as pessoas idosas, esse modelo pode significar a
diferença entre viver com dependência ou manter uma vida ativa e conectada à
comunidade.
Até a próxima viagem!

