Faz sentido trazer a Hotelaria para dentro de uma ILPI?

Se essa pergunta te chamou atenção, é porque talvez você, assim como eu, nunca havia parado para refletir sobre essa conexão. Algo mudou há 2 anos para mim…

Sou Verena Bogéa, bacharel em Turismo, com especialização em Hotelaria pela UFPR, MBA em Gestão Empresarial pela FGV-SP e Gestão em Restauranter pela Universidade Roberto Miranda. Atuei por 20 anos na hotelaria: comecei em serviços gerais, polindo lixeiras, e cheguei ao cargo de Gerente Geral. Passei pelas maiores redes hoteleiras do país — Atlantica, BHG e Accor — onde me dediquei à operação, experiência do cliente, formação de equipes, reversão de resultados deficitários e desenvolvimento de marcas.

Em 2022, recebi uma ligação da Telma Rosseti, uma headhunter. Eu disse que estava muito feliz na minha carreira e que meu foco era pessoal: realizar o sonho de ser mãe, após anos de tentativas, duas perdas e tratamentos médicos sem sucesso. Mesmo assim, Telma insistiu em me apresentar uma proposta: assumir a posição de CEO da Sociedade Beneficente Alemã (SBA), uma organização de mais de 160 anos que atua em todas as fases do ciclo da vida, incluindo uma das maiores ILPIs da América Latina, com mais de 245 leitos.

À época, a ideia me pareceu absurda: como uma profissional da hotelaria premium poderia contribuir em um “asilo”? (Palavra que, hoje, nem uso mais. Prefiro falar complexo da longevidade, sênior living, residencial club 60+, em moradia com cuidado e propósito). Lembro de conversar com meu amigo Rafa Linhares sobre isso, uma referência na área, seríamos então Casas de Repouso? E ele me disse: “Vê, a gente não quer repouso. A gente quer movimento.” Essa frase ecoa em mim até hoje.

Mesmo com muitas dúvidas no início, foi a Telma — uma profissional inspiradora — quem, aos poucos, me convenceu de que sim: faz todo sentido trazer a Hotelaria para dentro de uma ILPI. Movida pela curiosidade e pelo desejo de gerar impacto, mergulhei nos estudos por sete meses antes de aceitar o desafio. Era uma decisão significativa, em uma das fases mais marcantes da minha vida. Além disso, acredito que toda relação — seja pessoal ou profissional — só é bem-sucedida quando permite que ambos os lados evoluam. Eu precisava entender se eu realmente poderia contribuir e, ao mesmo tempo, crescer com essa experiência. E posso dizer com certeza: vivi, na SBA, os dois anos mais transformadores da minha vida.

O que a Hotelaria pode ensinar à Longevidade?

A resposta curta é: muita coisa. A resposta completa, que convido você a explorar comigo, envolve processos, cultura, propósito e, principalmente… pessoas.

Aqui estão alguns aprendizados da hotelaria que fizeram diferença em nossa gestão na SBA — e que podem inspirar profissionais de diferentes áreas envolvidos com moradias para pessoas idosas, as quais prefiro chamar de longevas:

1. Pessoas no centro: colaboradores em primeiro lugar

Na hotelaria, excelência só existe com equipes bem recrutadas, acolhidas, treinadas e reconhecidas. Esse cuidado reflete diretamente na experiência do hóspede.

Em uma ILPI ou residência para longevos, a lógica é semelhante: como está a jornada do seu colaborador? A equipe (própria, terceira e voluntários) está engajada para oferecer o melhor, todos os dias?

2. Cultura de marca

Em redes hoteleiras, missão, visão e valores não são meras palavras: orientam decisões e atitudes. E na sua organização? Os valores estão claros e são vividos por todos os envolvidos no cuidado? Talvez nem exista ainda uma cultura de marca definida…

3. Padronização e autonomia da equipe

Hotéis de rede precisam manter padrões em todas as unidades. Isso exige processos bem definidos, mesmo na ausência do gestor. Sua equipe sabe exatamente como agir em cada situação? Tudo funciona bem mesmo quando o líder principal não está presente?

4. Gestão da qualidade e melhoria contínua

Uma crítica pública a um hotel pode derrubar sua reputação digital. Por isso, há escuta ativa e ações rápidas. Como sua organização acompanha os indicadores de satisfação e responde os apontamentos de melhoria?

5. Sinergia entre áreas

Na hotelaria, diferentes áreas operam em harmonia para uma experiência única. E na sua estrutura? A comunicação é aliada ou a falta dela tornou-se inimiga da operação?

6. Ambientes pensados com propósito

Cada espaço de um hotel é projetado para acolher, impressionar e gerar bem-estar. Texturas, iluminação, fluxo, acessibilidade — tudo conta para a experiência. Como os ambientes comunicam afeto, autonomia e dignidade?

7. Experiência marcante e fidelização para todos os envolvidos

Em um hotel executivo, um hóspede fica em média duas noites. Ainda assim, é preciso encantá-lo para que volte. Como criar experiências memoráveis e vínculos afetivos duradouros aos moradores e aos seus familiares também.

8. Compras e Gestão de Estoque

Na hotelaria, a gestão eficiente de compras reduz desperdícios e melhora a rentabilidade. Será que o improviso nas compras da sua instituição — aquela compra de última hora no mercadinho próximo ou pelo aplicativo — está impactando mais do que você imagina?

9. Receitas além da hospedagem

Hotéis rentabilizam por meio de restaurantes, frigobar, eventos, spas, academias, entre outros. E na sua realidade? Há oportunidades de gerar valor (e receita) com atividades culturais, oficinas abertas ao público, cafés, minimercados…? Há margem para criar produtos sem onerar a estrutura atual?

10. Comercial e relacionamento com a comunidade

Na hotelaria, não se espera o telefone tocar: há equipes ativamente promovendo o hotel. Como sua instituição se posiciona? Há uma estratégia para divulgar seu propósito e conquistar confiança da comunidade e das famílias?

11. Alta performance e resultados financeiros

Na hotelaria, o desempenho operacional é monitorado diariamente. Indicadores de performance, demonstrativos de resultados, fluxo de caixa, previsões orçamentárias e prestação de contas são ferramentas essenciais para gerar retorno ao investidor e à rede administradora. E na sua instituição? Há clareza dos números? Existe um plano de viabilidade e sustentabilidade econômica?

Um convite ao diálogo

Essas reflexões não são apenas para gestores de ILPIs. Se você atua com o mercado prateado, algum tipo de moradia sênior, se é fornecedor do segmento, familiar ou simplesmente se interessa por longevidade, pense: o que posso aprender com o universo da hospitalidade para transformar ambientes de cuidado em verdadeiros lares, que oferecem experiências e são rentáveis?

A resposta é que sim — faz muito sentido trazer a hotelaria para dentro da longevidade. Na SBA, tivemos conquistas concretas a partir dessa integração: aumento da satisfação de todas as pessoas envolvidas, além do fortalecimento da cultura organizacional e melhorias financeiras expressivas.

Minha transição pessoal (e a do Zion)

Se, ao ler este artigo, você se perguntou sobre o sonho que tive de ser mãe, aqui está a resposta. Durante o processo seletivo para a SBA, descobri que estava grávida — após anos de tentativas, perdas, inúmeros exames e tratamentos. Pensei em recusar. Foi então que ouvi da Telma uma frase que mudou tudo: “O projeto da SBA com todos — alunos, residentes, familiares, voluntários, parceiros e colaboradores — é de longo prazo. Uma licença não muda em nada nosso desejo de te ter conosco.”

E mais do que aceitar a minha maternidade — eles a acolheram.

Não só fui contratada grávida, como ainda recebi o presente imensurável de poder montar um berçário dentro da instituição. O Zion, meu filho, tornou-se um pequeno voluntário: visitava os moradores, levava sorrisos, provocava conversas. Foi um elo intergeracional que ampliou ainda mais minha compreensão sobre o cuidado, o convívio e o poder dessa troca entre gerações. Essa história, por si só, já renderia um novo artigo…Hoje, embora esteja fisicamente distante, vivendo fora do Brasil, sigo profundamente conectada à causa. Atuo como consultora em gestão de alta performance e longevidade pela Trevoo — e sigo aprendendo, todos os dias, como criar experiências significativas para todas as idades.

E você?

Se este texto te fez pensar em alguma prática que pode ser transformada — em casa, no trabalho ou na comunidade —, já valeu a pena. E se quiser continuar essa conversa, estou por aqui.

Vamos juntos (re)pensar o morar, o cuidar e o viver com mais propósito.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.