Demência – Um “delete” na memória?

O que é Demência? É perda de memória? É loucura? É ficar fora de si? É perder capacidade de ir e vir e de escolher ou rejeitar opções decisivas da vida? É depender das pessoas? É “doença de velho”? É o fim da experiência funcional da jornada de vida? Demência é o mesmo que Alzheimer?

Aqui só muitas das perguntas feitas ao médico geriatra, sobre a doença da atualidade, que aumenta sua incidência e prevalência na população à medida que esta vai se tornando mais longeva. O número estimado de pessoas com diagnóstico de demência em todo o mundo, em 2019, foi de aproximadamente 57,4 milhões. Em 2050 os casos quase que triplicaram, atingindo algo em torno de 152,8 milhões de pessoas – entre 130 a 175 milhões considerando o intervalo de confiança. (Nichols et al., 2022).

Então qualquer um de nós pode compor esta cifra. Para organizar nossa mente, vamos abordar questionamentos acerca desta doença que, sim, altera memória e atividades operativas de vida independente e autônoma, sequestrando o que é nossa essência de vida, muitas vezes devagarinho, de forma insidiosa e indolente; impactando não somente a pessoa como também o entorno social de sua convivência: família, trabalho, atividades de lazer, amigos e até mesmo a relação íntima consigo mesmo (o outro “eu” profundo).

O que é Demência?
Não é apenas esquecimento.
É um conjunto de síndromes que afetam a memória, comportamento e a vida diária.
Vai além do envelhecimento normal e compromete a autonomia.

Demência e Alzheimer são sinônimos?

A doença de Alzheimer é um dos tipos de demência conhecidos pela ciência médica. Há vários tipos de demência e a doença de Alzheimer ocorre pela deposição de uma proteína denominada beta amilóide justamente nas junções e/ou interssecções das células nervosas por onde se transmitem as ondas elétricas cerebrais que carregam informações que respondem a estímulos do meio ambiente em que estamos inseridos. Como curto circuito, estes pontos interrompem o fluxo de informações cerebrais que comandam a maioria de nossas funções vitais. 

As principais demências são:

  • Alzheimer
  • Vascular (pós-AVC)
  • Corpos de Lewy
  • Frontotemporal
  • Mista

Cada uma destas doenças têm causas e evoluções diferentes, o que a perspicácia de uma acurada observação/avaliação poderá concluir por alto grau de suspeição diagnóstica. Lembrar que há causas reversíveis de Demências tais como as que ocorrem na hidrocefalia de pressão normal, e em alguns distúrbios metabólicos de deficiência vitamínica, por exemplo.

Conhecer ajuda a identificar cedo!

Como se faz o diagnóstico de Demência?
Na maioria das vezes é tardio, daí que a avaliação de déficit cognitivo mnésticos com comprometimento das atividades independente e autônomas, operativas, da vida cotidiana, é o alvo do diagnóstico clínico. Exames de imagens, cada vez mais sofisticados e agora com o auxílio da inteligência artificial para estabelecer padrões de dano cerebral; além da dosagem das proteínas beta amilóides complementam a investigação clínica. Lembrar que testes cognitivos com escores (mini exame mental, teste do relógio e tantos outros adaptados às condições culturais, demográficas e epidemiológicas das populações), e a avaliação geriátrica ampla; são instrumentos que aumentam a acurácia do diagnóstico.

Resumindo nosso check-list:
✔ Avaliação clínica
✔ Testes cognitivos
✔ Exames laboratoriais
✔ Neuroimagem

O diagnóstico precoce faz toda diferença!

O déficit cognitivo leve (CCL) é o disparador inicial da demência da doença de Alzheimer?
O CCL é o comprometimento da memória ou de outros domínios cognitivos perceptível subjetivamente e/ou por terceiros do que o atribuído ao envelhecimento normal, com desempenho levemente comprometido em testes cognitivos, sem causar prejuízo à capacidade funcional ou sem modificá-la minimamente.

O CCL acomete de 10 a 20% dos indivíduos com 65 anos ou mais (Petersen RC. Mild Cognitive impairment. N Engl J Med 2011 Jun;364(23):2227-34) Importante: O CCL pode progredir para Demência da Doença de Alzheimer a uma taxa de 10% a 12% por ano (Petersen et al., 2001). Porém não se pode afirmar que todo CCL vá converter e progredir para a Demência da Doença de Alzheimer.

Atenção aos sinais é fundamental. Sumarizando nosso check-list:

  • Alterações de memória leves
  • Não atrapalha muito a rotina
  • Pode evoluir para demência, mas nem sempre

Demência tem cura?
Na maioria dos casos, não. Mas alguns fatores são reversíveis (como falta de vitamina B12 ou problemas hormonais). O tratamento busca retardar a progressão e melhorar a vida.

E o tratamento, como é?
Medicamentos para memória e sintomas: retardam progressão da doença;
Estimulação cognitiva: música e fotos estimulam a memória afetiva e melhora o estado emocional das pessoas acometidas pela doença;
Exercícios físicos e fisioterapia: atividade física diminui complicações e imobilismo e melhora estado de bem estar e qualidade de vida;
Apoio psicológico a pacientes e cuidadores: fundamental apoiar e diminuir a carga de trabalho e emocional das pessoas que cuidam das pessoas com demência.

E os desafios?
Diagnóstico precoce;
Novas terapias eficazes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária liberou para uso um tipo de medicamento chamado anticorpo monoclonal, o Kinsula – Donanemabe, que age reduzindo os aglomerados de proteína beta-amilóide no cérebro, retardando a progressão da doença. O melhor momento para usá-lo é quando o indivíduo apresenta sintomas de CCL já com comprometimento de atividades independentes e autônomas, operativas, do dia a dia. O medicamento ainda é de alto custo, e pode ter efeitos colaterais indesejáveis; assim precisa de uma monitorização clínica muito judiciosa do prescritor;
Preparação dos sistemas de saúde;
Redução do estigma social – se a doença for diagnosticada em estado avançado, e o paciente necessitar de auxílio para atividades da vida diária independente e autônoma, o apoio familiar e do entorno social do paciente é fundamental. Nestes casos, “só o amor cura” – Professor Dr. Yukio Moriguchi, o Pai da Geriatria Brasileira, a quem dedico toda a minha produção científica e humanística.

O futuro depende de informação e pesquisa!

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