Telessaúde na Estrada: Um Novo Caminho para Cuidar de Quem Mantém o Brasil em Movimento

O país que se move sobre rodas

O Brasil é um país que se move majoritariamente sobre rodas e quem o mantém em movimento são os caminhoneiros. Mais de 60% de toda a carga nacional circula por rodovias, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT, 2023).

Nos bastidores dessa engrenagem que mantém o Brasil em movimento, estão os motoristas de caminhão: profissionais que garantem o abastecimento das cidades, o transporte de alimentos, medicamentos e insumos que sustentam a vida cotidiana de milhões de brasileiros.
Eles enfrentam longas jornadas, isolamento, má alimentação e pouco tempo para o autocuidado.

Mas há um desafio urgente: a profissão está envelhecendo rapidamente e atraindo cada vez menos jovens. Dados da CNT mostram que a média de idade dos caminhoneiros já ultrapassa 44,8 anos, e apenas 6% têm menos de 30. Outros levantamentos, como o do Instituto ILOS (2023), estimam que a média entre motoristas de carretas e caminhões pesados chegue a 53 anos.

Essa tendência acende um alerta: a falta de renovação e o declínio das condições de saúde dessa população podem comprometer não apenas o futuro do transporte, mas também a própria economia do país.

Carretas de saúde: um passo importante, mas não o destino final

Nos últimos anos, diversas iniciativas como a campanha Saúde na Estrada, da Ipiranga, levaram carretas de atendimento médico a postos de combustíveis.
Essas ações são fundamentais por sensibilizarem o setor e aproximarem o cuidado da rotina dos caminhoneiros.

Contudo, o próximo passo precisa ir além da ação pontual.
A saúde precisa ser constante, conectada e integrada à vida desses trabalhadores.

É justamente aí que surge o conceito das Estações de Telessaúde Integrada de Bem-Estar (ETIBE), unidades fixas ou móveis, desenvolvidas pela Mari Chao Arquitetura, que unem tecnologia, acolhimento e cuidado contínuo. Enquanto as carretas representam ações de impacto temporário, as Estações de Telessaúde oferecem uma estratégia permanente, cotidiana e escalável de promoção à saúde e bem-estar, criando um ecossistema que conecta corpo, mente e estrada.

A saúde que acompanha o caminho

As Estações de Telessaúde foram projetadas para funcionar em postos de gasolina, centros logísticos e áreas de parada. Com estrutura modular e acessível, podem operar como unidades semifixas ou trailers móveis, equipadas para oferecer triagem, consultas médicas e psicológicas por teleatendimento, aferição de sinais vitais, acompanhamento nutricional e programas de prevenção.

A ideia é simples e poderosa: se o caminhoneiro não pode ir até o serviço de saúde, o serviço vai até ele.

Essas unidades contam com equipamentos como medidores de pressão arterial, glicosímetros, balanças e sistemas de vídeo 360º para consultas remotas. Além disso, o design arquitetônico prioriza ambientes de pausa e regeneração, com conforto térmico, acústico e visual, transformando a parada obrigatória em um momento de autocuidado e bem-estar.

Saúde, produtividade e o novo valor da logística

Promover saúde na estrada não é apenas um ato de cuidado, é uma estratégia de desenvolvimento humano e econômico. Segundo a CNT, os caminhoneiros passam em média 11 horas por dia dirigindo, com períodos prolongados de sedentarismo e alimentação irregular. Esse estilo de vida pode levar a doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, problemas musculoesqueléticos e apneia do sono, frequentemente diagnosticados tardiamente, o que impactam diretamente a segurança nas rodovias e a produtividade do setor.

Ao oferecer acompanhamento contínuo e ações de prevenção, as Estações de Telessaúde podem:

  • Reduzir afastamentos e acidentes, prevenindo doenças e fadiga;
  • Aumentar a produtividade e a satisfação dos motoristas;
  • Fortalecer vínculos emocionais entre empresas, profissionais e comunidades;
  • Prolongar a vida útil e ativa desses trabalhadores, promovendo um envelhecimento saudável.

Trata-se de investir em um modelo de cuidado que gera valor social, humano e competitivo, um diferencial real para o setor de transporte brasileiro.

Cuidar do humano é cuidar da inovação

Em um cenário em que se fala cada vez mais em carros autônomos e automação logística, a maior força do transporte brasileiro ainda está no humano.

Ao adotar soluções de telessaúde, o país fortalece essa presença, tornando o transporte mais seguro, eficiente e sustentável, sem substituir pessoas por tecnologia, mas integrando tecnologia para cuidar de pessoas.

A Telessaúde é, portanto, o futuro possível entre o progresso e o pertencimento.

Saúde do viajante: ampliar o olhar

Embora o foco inicial sejam os caminhoneiros, as Estações também podem atender outros públicos das rodovias: viajantes, entregadores, motoristas de aplicativo e profissionais de logística que passam longos períodos fora de casa.

Esse é o conceito de saúde do viajante, criar pontos de atenção ao bem-estar em locais de trânsito intenso, onde milhares de pessoas cruzam o país diariamente.
Esses espaços podem integrar ações de prevenção de doenças, acompanhamento de crônicos, apoio psicológico e orientação sobre hábitos saudáveis durante viagens longas.

Um projeto que nasce do cuidado humano

A Estação de Telessaúde Integrada de Bem-Estar é um projeto que amadureceu como a própria ideia de envelhecer com propósito.

Seu conceito foi desenvolvido pela arquiteta Mariana Mie Chao, a partir de uma pesquisa acadêmica realizada no Mestrado em Gerontologia da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Trindade Bestetti, também fundadora do Ser Modular.

Mais do que uma proposta arquitetônica, ela é o resultado de um processo de investigação sobre como a tecnologia pode se tornar um gesto de cuidado, mesmo à distância.

O trabalho foi reconhecido com prêmios nacionais, incluindo o Prêmio Quati de Dissertação e Tese Destaque EACH-USP – Edição 2025 e o 17º Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação para o SUS do CNPq, reforçando a proposta como uma inovação social com base científica e propósito humano.

A arquitetura está pronta, o modelo logístico estruturado, e a operação pode ser adaptada a diferentes escalas de um projeto-piloto em uma rodovia federal, até uma rede integrada de estações interestaduais.

Mas o que realmente move este projeto é a vontade de permanecer: de manter vínculos, de proteger trajetórias e de oferecer amparo a quem passa boa parte da vida em deslocamento.

A Telessaúde na Estrada nasce para acompanhar esse envelhecer que não é estático, é dinâmico, heterogêneo, resiliente, cheio de histórias e distâncias percorridas.
Cuidar desses trabalhadores é cuidar do tempo, do corpo e das relações que sustentam o Brasil em movimento.

Conclusão: o caminho do cuidado

O Brasil depende das estradas e as estradas dependem de caminhoneiros saudáveis.
Mais do que uma proposta de arquitetura, a Telessaúde na Estrada é uma visão de país que reconhece o valor da longevidade ativa e produtiva, da dignidade e do cuidado contínuo como pilares de um futuro mais humano e sustentável.

💡 Se a estrada é o caminho, que o cuidado seja o destino.

Para continuar o movimento

A Estação de Telessaúde Integrada de Bem-Estar é um projeto aberto, em busca de conexões e colaborações que ajudem a transformá-lo em realidade. Não se trata de erguer estruturas, mas de construir uma rede de cuidado, onde tecnologia, ciência e afeto caminham lado a lado.

Cada nova Estação é um gesto coletivo de longevidade compartilhada: um convite para envelhecer melhor, juntos, com saúde, segurança e esperança.

Referências

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.