Quais as dificuldades de se implantar políticas públicas de atendimento integral a pessoas com deficiência intelectual?

Entre as populações que compõem os grupos vulneráveis que necessitam de atendimento diferenciado, destaca-se a de pessoas com deficiência intelectual, as quais apresentam mudanças cognitivas e de comportamento devidas a diferentes causas, nem sempre facilmente definidas. Nessa classificação estão as pessoas com síndrome de Down, que compõem um universo significativo e são cada vez mais longevas, denunciando a crescente necessidade de atendimento ao longo da vida. Os cuidadores originais temem pelo prosseguimento do cuidado quando não estiverem mais presentes ou com dificuldades de apoiar por estarem muito fragilizados. Sendo assim, urgem soluções de moradia independente para esse grupo, especialmente considerando famílias com pouca condição financeira.

Como tudo começou…
A síndrome de Down foi classificada pelo médico britânico John Langdon Down em 1866, a partir da sua experiência na instituição denominada Earlswood, dedicada ao cuidado de indivíduos com deficiências intelectuais. Em função da sua personalidade voltada à empatia e humanização do cuidado, transformou a prática de tratar essas pessoas de modo negligenciado e violento.

As instituições asilares eram lugares de abandono, onde mendigos, pessoas idosas e com deficiência eram deixadas para afastá-las da sociedade, com alegada inutilidade. Down implementou medidas para melhorar a higiene, proibiu o tratamento punitivo e introduziu atividades que estimulam o desenvolvimento e a autoestima, tais como terapias ocupacionais com jardinagem, pintura, artesanato e fotografia, expondo os pacientes em trajes elegantes, demonstrando o seu direito à dignidade.

Em 1868 criou Normansfield, em uma mansão com um novo modelo de cuidado, acrescentando atividades de formação cultural à moradia e, além das anteriores, foram acrescentados música e teatro, incentivando o talento individual e a criatividade que nasciam dessa escola. Esse lugar ainda existe, sob o nome de Langdon Down Centre e mantendo o Teatro Normansfield. Pode-se dizer que é a primeira experiência de moradia independente para pessoas com síndrome de Down e outras etiologias na deficiência intelectual.

E como são as moradias independentes?

Entende-se como lugares de vida onde seja garantida a dignidade através do respeito aos limites e possibilidades dos residentes, oferecendo suporte e supervisão nas atividades da vida diária e a garantia da inclusão na sociedade, em especial para prepara-los em função da perda dos cuidadores originais. A Inclusion International, rede de entidades que atendem pessoas com deficiência intelectual e suas famílias, congrega organizações dos cinco continentes, com um total de 115 instituições membro.


Entre os programas que atuam em prol de vida independente e de soluções para moradia, destacam-se projetos na Finlândia e na Áustria, há mais de 50 anos. Nova Zelândia e Austrália oferecem iniciativas mais recentes na Oceania, assim como a Argentina, na América Latina. O Canadá conta com duas organizações, uma delas com mais de 70 anos de atuação.

Em Israel, existe a experiência da organização Krembo Wings, com um programa para jovens com e sem deficiência entre 18 e 20 anos, que moram em um espaço compartilhado e fazem voluntariado na comunidade antes do serviço militar obrigatório a todos.

No Brasil há iniciativas pontuais e urgem políticas públicas que atendam especialmente pessoas com deficiência intelectual em situação de vulnerabilidade social. Destaco o trabalho realizado na organização Pella Bethania, onde a pessoa é integrada na vida comunitária, respeitando as suas limitações, proporcionando adequações às suas diferenças e garantindo a oportunidade de expressarem suas vontades.

A família como agente da independência
Em publicação anterior em Ser Modular, descrevo o filme israelense Lá Vamos Nós, de 2020, que conta a história de um pai que abdicou de uma carreira de sucesso para cuidar permanentemente do filho autista durante mais de 20 anos e sente que ambos não estão prontos para a mudança dele para um residencial apropriado. A história deixa muito clara a superproteção do pai em relação ao filho autista e o sofrimento causado pela iminente separação.

Através de grupos focais com familiares de pessoas adultas com deficiência intelectual no Instituto Jô Clemente, que os atende para formação e inclusão profissional, ficou muito evidente a dificuldade de muitos sobre confiar seus filhos à vida independente, alegando falta de suporte e orientação. A necessidade de protege-los do preconceito e do risco de maus tratos os torna extremamente dependentes e com pouca iniciativa. Portanto, a família é o caminho para a mudança de cultura e da garantia de efetiva proteção no cenário da crescente longevidade desses indivíduos.

A conscientização da sociedade possibilita a inclusão com dignidade, garantindo seus direitos e a qualidade de vida. A partir do momento em que os indivíduos atípicos estiverem preparados para exercerem seus direitos, mesmo com limitações, e contarem com o suporte do Estado além da família, o envelhecimento de todos se tornará mais produtivo e com melhor qualidade de vida. A angústia de familiares preocupados com o futuro de parentes com deficiência intelectual, tanto sobre a atenção quanto à sobrevivência digna, passa pelo desenvolvimento de um Programa de Preparação para a Independência, proposta que acredito ser o caminho para a efetiva inclusão.

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