Qual a finalidade dos muros altos que envolvem os edifícios que abrigam instituições de longa permanência para idosos?

No curso intitulado “A Cultura da Não Contenção e a Fiscalização de Instituições de Longa Permanência para Idosos” promovido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o Dr. Luiz Cláudio Carvalho de Almeida, Coordenador do CAO das Promotorias de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência, apresentou dados sobre parâmetros legais da não contenção. Discorreu sobre a atuação do MP em prol da dignidade do idoso, em especial destacando a manutenção de vínculos comunitários e a preservação da autonomia. Abordou o Estatuto do Idoso, que considera o direito à moradia digna e o abrigamento como medida de proteção, porém trazendo uma mudança de cultura a partir de um perfil paternalista para outro com garantia de direitos no atendimento asilar.

Como já comentei na última semana, conter o idoso pode ser necessário quando há riscos de queda, quando não há discernimento para levantar e quando a agitação em determinadas fases da demência pode oferecer riscos de danos físicos tanto do próprio idoso quanto do seu cuidador. A grade na cama é um elemento de contenção mecânica para aumentar a segurança, segurar um idoso é chamada de contenção física e o uso de medicação é contenção química ou farmacológica. Mas também aprendi que podemos considerar a contenção ambiental, ou o uso de dispositivos que literalmente “prendam” o idoso num lugar controlado, para que não haja exposição a riscos decorrentes da fragilidade física e/ou da demência. Nesse caso, a arquitetura do lugar apresenta soluções e a mais utilizada é o muro alto, geralmente fechado e sem possibilitar a integração visual de ambos os lados.

Em maio de 2016, publiquei reflexões sobre muros e grades:

“Segurança e privacidade em residências para idosos têm sido tratadas como fortes argumentos para os familiares, mas podem causar isolamento e falta de estímulo para vivenciar a passagem do tempo. (…) Acompanhar modas e modos, perceber ruídos de crianças brincando e apreciar novos modelos coloridos de carros ou outros elementos, são meios de exercitar a mente, reconhecendo sua presença e importância no mundo.”

Muros protegem mas, também, afastam as pessoas da convivência produtiva em comunidade. Mesmo o idoso demenciado é provocado pelos desafios, o que se torna um coadjuvante importante para que siga vivendo bem, apesar dos limites impostos pela perda da memória. Portanto, um cercamento transparente permite acompanhar o movimento das vias urbanas e pode provocar esse exercício mas, ao mesmo tempo, a diminuição do “filtro” que é característica da demência pode resultar em comportamento antissocial, em situações humilhantes para o próprio idoso. Assim, é compreensível a preferencia pelos muros altos, garantindo a proteção do idoso, mas cabe repensar em outros sistemas, que mantenham a segurança, permitam a opção pela contemplação e, claro, agreguem beleza ao conjunto arquitetônico. Afinal, o belo também estimula!

2 comments on “Qual a finalidade dos muros altos que envolvem os edifícios que abrigam instituições de longa permanência para idosos?

  1. Prezada Profª Maria Luisa. Este texto abre uma ótima oportunidade para ampliarmos as discussões sobre as ILPIs tentando avançar um pouco a partir de uma visão ainda anacrônica que se tem sobre este equipamento sócio-sanitário em nosso meio… No mundo contemporâneo, e nas regiões do planeta que encaram este tema com maior seriedade política e com compromisso com a qualidade técnico assistencial, o avanço tecnologico que envolve estes espaços de cuidado já é considerável. As ILPIs já foram conceituadas como espaços para o “desenvolvimento humano”, e o ambiente natural e construído vêm sendo considerado um elemento estratégico que atua como “cuidador acessório”, tamanha é a sua importância para a percepção de bem estar nestes espaços destinados à promoção da vida e da saúde. Nesse sentido, devemos aprender com os erros do passado, e buscar um maior alinhamento com a produção de conhecimento já feita até o momento. Os limites tênues entre a proteção a segurança e o direito à liberdade precisam ser bem clareados, substituindo as crenças apoiadas no “senso comum” e ultrapassando as barreiras impostas pelo discurso mais radical da “segurança”. Para exemplificar, posso dizer que em nenhum manual para a redução do risco de quedas de idosos residentes em ILPIs se indica o uso de grades de leito… entretanto, este é um equipamento de uso rotineiro, naturalizado e acrítico, que não considera os riscos e prejuízos diretamente relacionados à sua utilização… Quanto à presença de muros altos que incluam o conceito de barreira visual, conforme bem abordado no texto, também não me recordo de estudos sobre ambientes de ILPI que defendam esta prática sob alguma argumentação minimamente justificável…Todas as pessoas podem ser provocadas por desafios…inclusive nós…Portanto penso que este seja um ótimo tema para discussão… Parabéns por estar trazendo estas questões para a mesa de debates…!
    Arianna Kassiadou Menezes
    Médica geriatra da UFF – membro do Grupo da Tríplice Aliança que atua pela difusão da “Cultura de Não Contenção” e pela “Qualidade dos Cuidados de Longo Prazo”.

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    • Arianna, novamente conversamos sobre o quanto fico grata pelos seus comentários e pela contribuição nesta discussão que, sim, penso que está somente começando. Temos ainda um conceito muito restrito sobre moradia na velhice aqui no Brasil, concordo que iniciativas que imprimam qualidade aos empreendimentos devam ser não somente do empreendedor mas também dos órgãos fiscalizadores. Somente procurar erros e exigir cumprimento de normas é pouco, por isso achei tão importante o evento e o tema central no Ministério Público do Rio de Janeiro. Imagino que esse assunto seja ventilado em todo o Brasil, mas talvez falte melhor disseminação desses conteúdos, especialmente para as diversas disciplinas que interagem nas questões da velhice. De fato, riscos de quedas geralmente são mais abordados em relação a questões intrínsecas, mas as extrínsecas são pouco aprofundadas: não basta retirar um tapete e colocar uma barra de apoio para garantir segurança, é preciso pensar no emocional, na ambiência como um todo. Vamos continuar juntas na mesa de debates, presencial ou virtualmente. Estou à disposição e novamente agradeço sua disponibilidade em comentar e contribuir com este blog, um esforço individual de quem acredita que pode oferecer mais do que contribuições fechadas no ambiente universitário. Abraços e até breve!

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