Muitas vezes o tempo passa e a manutenção da casa só é feita quando há mau funcionamento ou problemas estruturais. Do mesmo modo, arrumar armários e selecionar objetos que de fato tenham utilidade acontece quando não há mais lugar e a reorganização se torna urgente. Assim sendo, quando mudanças não ocorrem, quer seja por organização ou pela necessária manutenção do imóvel, a noção do tempo pode ficar prejudicada, mantendo referências muito antigas e criando confusão de memória.
Na peça teatral “Hortance, a Velha”, magistralmente encenada pela atriz Grace Gianoukas, a personagem vive num antigo cabaré onde está o seu mundo, “… um amontoado de lembranças (e quinquilharias) que ela acumulou ao longo da vida, além da companhia da irmã Aliquianni e de um gambá”. A presença da irmã é sugerida por um volume sob cobertas em uma cama que compõe o cenário, todo ele demonstrando um lugar com objetos variados, móveis desgastados e sacos com lixo reciclável. Hortance é claramente acumuladora, a ponto de conviver com o gambá, situação sugerida pelos sons de um animal caminhando no forro da casa. Toda a narrativa remete ao diálogo da personagem com sua irmã, relembrando amores, aventuras e conversas com personagens da história que nem ao menos poderiam ter se encontrado, por serem de períodos diferentes. Mas o momento mais dramático ocorre quando, ao “ajudar” a irmã a levantar da cama, abraça cobertores e almofadas e, dando-se conta da ausência, diz: “Quando você foi embora, que nem percebi?…”
As demências normalmente são percebidas por outros quando há confusões de memória, histórias começam a ser repetidas com muita frequência e atividades rotineiras são esquecidas, assim como pessoas e lugares. Manter referências da própria história, tais como fotografias, objetos marcantes e a presença de pessoas queridas, ajudam na orientação e no bem-estar desses doentes. Porém, estimular para que haja ordem e renovações de objetos pode ser um meio de marcar a mudança do tempo, criando novos referenciais que ilustrem o ciclo vivido. Assim como as pessoas envelhecem, ou mesmo, alteram a própria aparência para renovar o visual, os ambientes da casa devem acompanhar o decorrer do tempo.
Jardins, mesmo em vasos e floreiras, mudam e dependem de cuidado, o que exige atenção e torna o ciclo de vida perceptível. O desgaste de revestimentos no ambiente doméstico sugere que podemos mudar cores, texturas e até formas, criando novas perspectivas e acompanhando modas e modos. A evolução da tecnologia oferece facilidades para as rotinas da casa, aperfeiçoando processos e caracterizando dinâmicas contemporâneas, em especial em ambientes como cozinhas e lavanderias. A permanência de idosos na mesma casa deve ser incentivada desde que haja conforto, segurança e valorização dos relacionamentos sociais, e a renovação periódica certamente facilitará a percepção do tempo vivido. É preciso estimular ações assim para que não haja idosos desorientados quanto às próprias referências pessoais.
Sensacional……..
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Obrigada!
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